MATÉRIA DO G1
A Câmara Municipal de Belo Horizonte pode votar em primeiro turno nesta sexta-feira (3) o projeto de lei para a implementação da gratuidade nos ônibus coletivos, conhecida como “tarifa zero”. O texto é o único previsto na pauta do Plenário para a reunião desta tarde.
A proposta foi baseada em um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que apontou formas de custear um transporte público totalmente gratuito na capital mineira.
Segundo o texto apresentado pelos vereadores, a ideia é que os passageiros deixem de pagar a passagem, mas o sistema continue sendo financiado de outras maneiras. Se entrar em vigor, BH se torna a primeira capital brasileira a extinguir as tarifas no transporte por ônibus.
As formas de financiamento apontadas pela proposta são:
- Taxa mensal de R$ 168,82, por empregado, a ser pago por empresas com mais de dez funcionários – esta é a principal forma de financiamento prevista. Microempresas ficariam isentas.
- Recursos vindos de publicidade em ônibus e terminais.
- Multas aplicadas às concessionárias por descumprimento de contrato.
- Dinheiro do Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo, que foi criado em 2019 e, atualmente, está parcialmente regulamentado.
Parlamentares estimam que o custo para manter ônibus com gratuidade giraria em torno de R$ 2 bilhões. Se aprovado, o modelo poderia começar a valer em até quatro anos e entraria em vigor já no próximo contrato de concessão do transporte, previsto para 2028. A iniciativa, no entanto, divide opiniões entre políticos e instituições (leia mais abaixo).
Quem apoia e como será a votação
O projeto de lei é assinado por vereadores de 13 partidos: PSOL, PT, PRD, PCdoB, PSD, União Brasil, Cidadania, Mobiliza, PP, PV, Republicanos, MDB e Solidariedade. A votação em primeiro turno está prevista para as 14h30 desta sexta-feira, no Plenário Prefeito Amintas de Barros. Não há garantia, entretanto, que todos esses 22 vereadores signatários vão dar voto favorável.
Para aprovar a proposta, é necessário que 28 dos 41 parlamentares da Câmara Municipal de Belo Horizonte votem a favor em dois turnos. Se aprovado, o texto seguirá para sanção ou veto do prefeito Álvaro Damião (União Brasil).
Quem defende diz que há como financiar custo
Iza Lourença (PSOL), principal autora do projeto, afirma que a proposta é viável e pode melhorar o transporte público da capital.
Segundo ela, a taxa prevista no texto já seria suficiente para custear o sistema sem cobrança de tarifa, mas o projeto mantém outras fontes de receita — como subsídios, publicidade e multas aplicadas às concessionárias — para garantir melhorias no serviço.
A vereadora argumenta que o aumento de custos apontado por críticos não é proporcional ao crescimento da demanda. “O estudo da UFMG mostra que, mesmo com uma demanda três vezes maior, o custo do sistema sobe, em média, 30%”, explica.
Ela também destaca que 80% das empresas teriam economia com a taxa, já que gastam muito com vale-transporte. Para as demais, o impacto seria inferior a 1% da folha de pagamento.
A parlamentar diz, ainda, que instituições públicas, como a Assembleia Legislativa e órgãos federais, seriam as mais oneradas, e não o setor privado.
Oposição fala em ‘novo imposto’ para empresas
Já o vereador Bráulio Lara (Novo) critica a proposta e afirma que a tarifa zero não é gratuita, pois “alguém sempre vai pagar essa conta”. Para ele, o sistema de transporte da capital já é caro e carece de transparência. “Em 2022, o subsídio era de R$ 250 milhões, depois subiu para R$ 750 milhões e hoje já passa de R$ 1,5 bilhão”, sustenta.
Conforme Lara, o projeto cria “um novo imposto” que vai impactar principalmente médios e pequenos empresários, aumentando a carga tributária para custear um benefício que, na visão dele, atenderia a uma minoria. Ele compara a medida a “aumentar a conta de luz da maioria para garantir isenção para poucos”.
O parlamentar defende que, antes de discutir gratuidade, é preciso reformar o contrato de concessão, que vence em 2028, e dar mais transparência aos custos do sistema. “Se a gente não fizer uma reforma estrutural no contrato, não dá para falar em tarifa zero”, afirmou.
Estudo da UFMG indica geração de emprego
Uma nota técnica elaborada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou os potenciais impactos da implementação da tarifa zero no sistema de transporte público por ônibus da capital.
O estudo utilizou como base dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para os pesquisadores, a gratuidade, ao liberar renda e eliminar barreiras de mobilidade, não apenas reduz desigualdades e amplia o acesso a direitos sociais, como também fomenta atividades econômicas locais. Na visão dos acadêmicos, isso favorece a geração de empregos, especialmente no setor de comércio e serviços.
Fiemg estima redução do PIB e de empregos formais
Por outro lado, entidades como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) se posicionaram contrárias à tarifa zero e temem impactos econômicos negativos no transporte coletivo da capital.
Estudo da Gerência de Economia e Finanças Empresariais da Fiemg estima uma queda de R$ 3,1 bilhões no faturamento das empresas e menos 55,3 mil empregos formais, além de retração de até 2,1% no PIB municipal e um aumento de até 3% na inflação.
Para a Fiemg, a criação de uma taxa às empresas para financiar essa política também fere o Código Tributário Nacional.
“O transporte público não é de utilização obrigatória e, portanto, não pode ser financiado compulsoriamente pelas empresas. Conforme a Constituição, uma taxa vinculada a serviço facultativo só pode ser cobrada mediante a efetiva fruição pelo contribuinte”, defendeu a Fiemg.
Repercussão política
O prefeito Álvaro Damião (União Brasil) se posicionou publicamente contra a proposta, classificando-a como “utópica e inviável”.
O posicionamento do chefe do Executivo estremeceu a relação com a bancada de esquerda, cujos partidos apoiaram a chapa Fuad-Damião no segundo turno das eleições do ano passado.
Os parlamentares chegaram a pedir publicamente reuniões com o prefeito para tratar da proposta, mas afirmaram não ter obtido resposta.
O vereador Helton Júnior (PSD), do partido do ex-prefeito Fuad Noman, anunciou na noite desta quinta-feira (2) que deixou o cargo de vice-líder do governo na Câmara diante da “divergência em torno do projeto da Tarifa Zero”, que foi bandeira de campanha do parlamentar.
“Não pela integralidade do texto, que realmente tem limitações, mas porque compreendo que a população precisa de uma resposta”, afirmou o vereador.
Com a vereadora Marcela Trópia (Novo), o embate ocorreu por outra razão. Relatora do texto na Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, ela afirmou que não seria possível determinar a viabilidade do projeto diante da falta de transparência da Prefeitura em relação ao custo real do transporte público da cidade.
“A principal pergunta ainda não foi respondida [pela prefeitura]. […] Se não existe essa informação como eu, relatora na comissão de Orçamento, ponto de vista que preciso analisar, vou emitir uma opinião?”, alegou, em publicações nas redes sociais.
O g1 procurou a Prefeitura para uma manifestação sobre as alegações dos vereadores, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.