MATÉRIA DO G1
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, informou nesta terça-feira (30) que a Polícia Federal abriu uma investigação para apurar a origem do metanol usado para batizar bebidas alcoólicas no estado de São Paulo. Segundo ele, é possível que essa rede de distribuição da substância atue também em outros estados.
Em São Paulo, já são pelo menos 22 casos entre suspeitos e confirmados. O governador Tarcísio de Freitas anunciou cinco mortes relacionadas ao consumo de metanol: uma já comprovada por bebida adulterada e outras quatro em apuração.
O Ministério da Saúde afirmou que, até o momento, não há sinais de novos casos. A Polícia Federal acrescentou que não foi identificada nenhuma marca ou importação específica ligada às ocorrências.
🔎 O que é o metanol? É uma substância altamente inflamável, tóxica e de difícil identificação. A ingestão, inalação ou até mesmo o contato prolongado com metanol podem causar náusea, tontura, convulsões, cegueira e até levar à morte.
👉 Como ocorre o batismo das bebidas? Criminosos falsificam as garrafas de marcas famosas de bebidas alcoólicas, como gin e vodca, substituindo parte do conteúdo por metanol. Em seguida, o produto é comercializado. Ao ingerir a bebida contaminada, as pessoas podem levar várias horas para apresentar os primeiros sinais de intoxicação, que incluem cólica muito forte e perda de visão.
Na segunda-feira, determinamos ao dr. Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF, que abrisse um inquérito policial para verificar a procedência dessa droga e a rede possível de distribuição que, ao tudo indica, transcende o limite de um único estado. Tudo indica que há distribuição para além do estado de São Paulo.
— Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça
Segundo ele, o “número elevado e inusitado” de intoxicações por metanol em São Paulo chamou a atenção porque foge do padrão, pois, normalmente, a ingestão da substância ocorre por pessoas em situações de vulnerabilidade.
Diante desse cenário, um sistema do governo federal que recebe informações de todo o país quando há intoxicação por causas desconhecidas emitiu um alerta nacional.
No sábado (27), a Secretaria de Defesa do Consumidor divulgou uma nota técnica para todos os estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas para tomarem cuidado com bebidas que pudessem estar contaminadas – atentando, por exemplo, para rótulo ou embalagem com aspecto diferente.
A fiscalização já começou: os estabelecimentos onde se identificou que havia bebida contaminada vão receber notificação do Ministério da Justiça para descobrir os fornecedores, quem manipulou as bebidas e que tipo de bebida as vítimas consumiram.
Situação ‘anormal’
Os casos recentes em São Paulo chamaram a atenção das autoridades.
“O país costuma ter 20 casos por ano de intoxicação por metanol. A partir de setembro, foi quase metade das notificações que costumam ter no ano e concentrado apenas em São Paulo, o que chama atenção”, disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, acrescentando que se trata de uma situação “anormal”.
Ele explicou que o Ministério da Saúde vai publicar uma nota técnica definindo o que é um caso suspeito ou não e esclarecendo os sintomas para orientar os profissionais de saúde sobre como identificar e agir nessas situações.
Segundo ele, a notificação de caso suspeito não precisa esperar o fechamento do diagnóstico.
No total, o país tem 32 centros de informação e assistência toxicológica do SUS em todos os estados, onde a população pode usar esses serviços e buscar ajuda.
PCC investigado
O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, não descartou a possibilidade de ligação do crime organizado com a adulteração de bebidas alcóolicas com metanol, indo na contramão do secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite (PL).
Rodrigues explicou que investigações recentes sobre a cadeia de combustível mostraram que há um esquema que passa pela importação de metanol pelo Paranaguá e que, por isso, há a necessidade de entrar nesse caso. “A investigação dirá se há conexão com o crime organizado”, disse o diretor da PF.
Intoxicação por metanol
Abaixo, veja o que se sabe e o que falta saber sobre os casos.
Quantos casos foram confirmados e estão em investigação?
Segundo o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do estado de São Paulo, até a noite da segunda-feira (29) foram seis casos de intoxicação confirmados e dez estão em investigação.
Entre os casos investigados, estão quatro jovens — dois homens e duas mulheres — que passaram mal após consumir gin comprado em uma adega na Cidade Dutra, na Zona Sul da capital, em 1º de setembro.
Um dos jovens, Rafael dos Anjos Martins Silva, está internado há quase um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em decorrência da contaminação. No boletim de ocorrência, obtido pelo g1, é descrito que ele começou a passar mal, vomitou e teve fortes dores abdominais após ingerir a bebida.
A princípio, ele acreditou que eram sintomas de ressaca, até que começou a gritar que estava cego, e os pais o levaram para o hospital.
Ao Fantástico, a mãe dele, Helena Martins, contou que o quadro do filho é irreversível. “Ele está respirando pelo ventilador, não tem fluxo sanguíneo cerebral. Segundo a medicina, é irreversível.”
Outra vítima é Rhadarani Domingos, que relatou ao Fantástico que ficou cega após beber três caipirinhas de vodca em um bar no Jardim Paulista, área nobre da capital. Na noite desta segunda, ela deixou a UTI, mas segue internada sem previsão de alta.
Foram registrados óbitos?
Sim. O governo estadual confirmou três mortes relacionadas a intoxicação por metanol. As vítimas são:
- Homem de 58 anos, morador de São Bernardo do Campo;
- Homem de 54 anos, morador da capital paulista;
- Homem de 45 anos. O local de residência está sendo investigado.
Ainda conforme o governo, outra morte, de um homem com histórico de etilismo crônico, está em investigação, pois não se sabe como ocorreu a intoxicação. Outro caso foi descartado.
Como as intoxicações aconteceram?
Os falsificadores “batizavam” bebidas alcoólicas, como gin e vodca de marcas famosas, com o metanol. Em seguida, o produto era comercializado e consumido pelas vítimas.
Até o momento, não há informações sobre em qual etapa da produção ou distribuição ocorreu a adulteração, quem seriam os responsáveis pelo crime e quais outros tipos de destilados podem ter sido comprometidos.
A polícia já apura os responsáveis pelo crime. Uma adega na Zona Sul e três bares da capital paulista, localizados nos Jardins, Zona Oeste, e na Mooca, Zona Leste, são investigados.
Uma força-tarefa formada por policiais, integrantes do Centro de Vigilância Sanitária do estado e da Coordenadoria de Vigilância em Saúde da prefeitura realizaram na tarde da segunda uma ação de fiscalização em três bares da capital onde há relatos de suspeita de intoxicação por metanol. Foram apreendidas 117 garrafas de bebidas destiladas sem rótulos.
O que é metanol?
O metanol (CH₃OH) é uma substância altamente inflamável, tóxica e de difícil identificação. O produto é um tipo de álcool simples, incolor e inflamável, com cheiro semelhante ao da bebida alcoólica comum.
A substância tem diversas aplicações legítimas na indústria. Ele é usado na fabricação de formaldeído (o famoso formol), ácido acético, tintas, solventes e plásticos, e está presente em produtos como anticongelantes, limpa-vidros e removedores de tinta.
Também já foi utilizado como combustível em carros de corrida e pequenos motores, mas em condições seguras e controladas.
No Brasil, uma das principais funções do metanol é servir de matéria-prima para a produção de biodiesel, em um processo químico chamado de transesterificação.
Fora disso, ele não deve ser comercializado diretamente para consumo humano nem adicionado em grande escala a combustíveis comuns.
Quais são os riscos à saúde?
A ingestão, inalação ou até mesmo o contato prolongado com metanol pode causar náusea, tontura, convulsões, cegueira e até a morte. Pequenas quantidades já são suficientes para provocar intoxicação grave.
Em caso de suspeita, a Secretaria da Saúde orienta a buscar imediata de atendimento médico de emergência. A população pode localizar o serviço mais próximo pela plataforma: https://buscasaude.prefeitura.sp.gov.br/.
O Centro de Controle de Intoxicações (CCI-SP) também oferece apoio para diagnóstico e orientação pelos telefones (11) 5012-5311 e 0800 771 3733.
Qual é a origem do metanol usado nas adulterações?
A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) suspeita que o metanol usado para adulterar bebidas seja o mesmo que vinha sendo importado ilegalmente pelo PCC para adulterar combustíveis.
Há um mês, uma megaoperação revelou que combustíveis utilizados por alguns postos alvos da polícia tinham até 90% de metanol, quando a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) só permite até 0,5% dessa substância na gasolina e etanol.
Para a ABCF, “o fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e formuladoras de combustível diretamente ligadas ao crime organizado, que importam metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis, conforme já comprovado por investigações do GAECO e do MP de SP, podem ser a causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores que ao tomar bebidas destiladas em bares e casas noturnas, apresentaram intoxicação por metanol.”
“Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”, completa.
Qual é a recomendação do estado?
O CVS orienta que bares, casas noturnas e comerciantes redobrem a atenção quanto à procedência dos produtos.
Já a população deve adquirir apenas bebidas de fabricantes legalizados, com rótulo, lacre de segurança e selo fiscal. Produtos de origem duvidosa devem ser evitados, pois podem colocar a vida em risco.
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