MATÉRIA DO G1
A defesa de Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quarta-feira (3) que o ex-presidente não atentou contra a democracia, não discutiu minuta golpista e não tem ligação com os atos violentos do 8 de Janeiro.
As declarações foram feitas pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno, durante a apresentação de alegações, no julgamento, na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do chamado “núcleo crucial” da trama golpista.
🔎O que pesa contra Bolsonaro? A investigação da Polícia Federal coloca Bolsonaro como planejador, dirigente e executor dos atos que levariam ao golpe de Estado. Um dos trechos do relatório afirma: “Tinha plena consciência e participação ativa” nas ações do grupo. Já a Procuradoria-Geral da República afirmou, em denúncia, que o ex-presidente liderou uma organização criminosa que praticou “atos lesivos” contra a ordem democrática e que estava baseada em um “projeto autoritário de poder”.
“Vou demonstrar cuidadosamente: ele [Bolsonaro] não atentou contra o estado democrático de direito, e não há uma única prova. Esse papel, essa minuta, essa questão, esse depoimento, não há uma única prova que atrele o presidente a Punhal Verde Amarelo, a Operação Luneta e ao 8 de Janeiro”, disse Celso Vilardi.
“Aliás, nem o delator — que eu sustento que mentiu contra o presidente da República —, nem ele chegou a dizer [que houve] participação em Punhal, em Luneta, em Copa [parte do plano Punhal Verde Amarelo, segundo a PGR], em 8 de Janeiro. Nem o delator [diz], não há uma única prova”, completou o advogado de Bolsonaro.
Veja nesta reportagem as principais alegações da defesa:
Delação de Mauro Cid
Na sua manifestação, Vilardi também questionou pontos da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O defensor afirmou que as contradições do tenente-coronel são motivos para anulação da colaboração premiada. “Ele apresentou uma versão e alterou essa versão”.
“Ele [Cid] mudou a versão várias vezes. E isso não sou eu que estou dizendo, é, na verdade, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, no último relatório de novembro, quando se disse que ele tinha inúmeras omissões e contradições”, declarou.
Segundo o advogado, a delação de Cid, como proposta, não existe “em nenhum lugar do mundo”. “O que se propõe é reconhecer uma falsidade parcial da delação, ainda assim diminuir a pena”, emendou Vilardi.
Ele disse também que a defesa não teve acesso a provas utilizadas no processo e que não houve prazo suficiente para a atuação. Sobre esse ponto, Vilardi criticou a maneira como a PF disponibilizou as provas colhidas, que somavam mais de 70 terabytes de dados.
“Nós não tivemos o tempo que a Polícia Federal e o Ministério Público tiveram [para analisar as provas]. São bilhões de documentos. Eu não conheço a íntegra desse processo”, declarou.
Ex-presidente não discutiu minuta, diz advogado
A defesa afirmou que a informação de que havia uma minuta golpista prevendo a prisão de autoridades está apenas nas palavras do delator Mauro Cid, porque a íntegra do texto nunca foi localizada pela investigação.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro e militares discutiram, dentro do Palácio da Alvorada, um texto que previa a decretação de estado de sítio para impedir a posse de Lula.
“Estado de defesa e estado de sítio são atos protocolares previstos na Constituição. Ele [Bolsonaro] deveria convocar o Conselho da República e o Conselho de Defesa e, após isso, submeter o decreto à aprovação do Congresso Nacional”, disse o advogado Paulo Bueno.
“Eu insisto em dizer que o estado de defesa e o estado de sítio são dos atos mais colegiados da nossa legislação. Não são atos de força unilateral do presidente da República. E é indiscutível que o ex-presidente em momento algum deu início para a decretação dessas medidas constitucionais. E não há elemento que ateste que ele estava na iminência de fazê-lo”, completou o defensor.
Em relação a um documento com esse teor que foi encontrado no celular do ex-presidente, a defesa afirmou que o arquivo foi enviado por um advogado e não foi debatido.
‘Sem violência ou grave ameaça’
O advogado Celso Vilardi questionou o enquadramento das condutas de Bolsonaro nos crimes de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, que exigem a ocorrência de violência ou grave ameaça para serem configurados, segundo o Código Penal.
“Dizer que o crime de abolição do Estado Democrático de Direito começou numa live [com críticas às urnas, feita em julho de 2021], sem violência, é subverter o próprio Código Penal. É a execução da violência que consuma o delito. Não é possível falar em violência numa live sobre o TSE. Onde está a grave ameaça?”, questionou Vilardi.
Para ele, no máximo, o que houve foram atos preparatórios, mas não a execução dos crimes imputados pela PGR. Assim, na visão do defensor, é injusto submeter Bolsonaro a uma possível pena de mais de 30 anos de prisão.
“Uma cogitação de pena, para além de 30 anos, para um fato específico que foi trazido – do ministro de Estado, dos chefes das Forças Armadas e de um presidente da república – sem nenhum ato, sendo que o general, em um procedimento de acareação, diz claramente: ‘Nós tivemos aquela conversa e, depois daquela conversa, o presidente nunca mais tocou naquele assunto, o assunto foi encerrado’. Então, o assunto encerrado gerar 30 anos [de prisão] não é razoável”, declarou o advogado.
O advogado Paulo da Cunha Bueno, que dividiu o tempo da sustentação oral com Vilardi, foi na mesma linha.
“Os atos preparatórios só poderiam ser puníveis se o legislador assim o fizesse. Nos crimes de terrorismo, criminalizaram-se os atos preparatórios”, disse Bueno.
Bolsonaro não dificultou transição de governo, diz defesa
O defensor de Bolsonaro voltou a sustentar que ele realizou a transição para o governo Lula, no final de 2022, sem criar obstáculos — o que, na visão da defesa, contraria a acusação de tentativa de golpe.
“A prova produzida pela defesa mostra que o presidente Bolsonaro determinou uma transição”, afirmou Celso Vilardi.
Uma prova disso, segundo Vilardi, é que os comandantes das Forças Armadas não estavam atendendo as ligações de José Múcio, nomeado ministro da Defesa por Lula no final de 2022, e Bolsonaro foi responsável por fazer uma ponte entre eles.
Sobre esse período, a defesa declarou que o ex-presidente pediu a caminhoneiros que obstruíram rodovias após a vitória de Lula nas eleições que liberassem as estradas.
Os advogados disseram ainda que, depois do dia 31 de dezembro de 2022, o ex-presidente não era mais responsável por nada.
Crimes
A Procuradoria-Geral da República aponta que Bolsonaro cometeu cinco crimes:
- abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
- golpe de Estado: configura-se quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
- organização criminosa: quando quatro ou mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
- dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três anos.
- deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
Condenação
Na apresentação das alegações finais – etapa anterior ao julgamento – a PGR reforçou o pedido de condenação do grupo crucial, composto por Bolsonaro, pelos cinco crimes.
O Ministério Público quer a soma das penas, o que pode fazer com que a punição chegue a 43 anos de prisão. A decisão quanto ao eventual tempo de pena será dos ministros da Primeira Turma.
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Infográfico – Trama golpista: Os réus, os crimes e o cronograma do julgamento — Foto: Arte/g1