MATÉRIA DO G1
O clima de Copa do Mundo em Belo Horizonte foi interrompido no dia 3 de julho de 2014 por uma tragédia: a queda do Viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Pedro I, que deixou dois mortos e 23 feridos. Seis engenheiros responsáveis foram condenados criminalmente. Passados dez anos, nenhum deles cumpriu pena.
As investigações iniciaram em 2014 e foram concluídas em 2015, quando o Ministério Público denunciou onze pessoas à Justiça. As condenações só vieram em dezembro de 2020, e os recursos estão sendo analisados até hoje.
Dos 11 réus, dois morreram no curso do processo, dois foram absolvidos por falta de provas e um teve o julgamento desmembrado por ser estrangeiro. Os outros seis foram considerados culpados.
Os crimes atribuídos a dois deles prescreveram, pela idade avançada. As penas de outros três foram convertidas em pagamento de indenização e perda do direito de atuar como engenheiros. Apenas um foi condenado a prisão e pagamento de multa.
As condenações foram por causar desabamento com resultado em morte e lesão corporal. Entretanto, as sentenças foram em primeira instância, e só é possível determinar início do cumprimento da pena após condenação na segunda.
Avenida Pedro I em 2024, na altura onde ficava o antigo viaduto Batalha dos Guararapes. — Foto: Rodrigo Salgado/g1
Quem são os condenados pela queda do viaduto?
Os condenados são engenheiros em cargos de liderança das construtoras Consol Engenheiros Consultores Ltda e Cowan S.A., responsáveis pelo projeto e pela execução da obra, respectivamente. Além deles, há servidores da Superintendência de Desenvolvimento da Prefeitura de Belo Horizonte (Sudecap).
Somente a pena de Ozanir Vasconcelos Chaves, de 4 anos e 8 meses de reclusão, foi mantida. Ele era engenheiro da Cowan e responsável por fiscalizar as obras do viaduto e foi avisado de estalos na estrutura antes da queda.
Por causa disso, a Justiça não concedeu a ele o benefício da conversão de pena, como fez com os demais réus. O g1 entrou em contato com a defesa de Ozanir, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Imagem aérea do Viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte, no dia da queda. — Foto: Reprodução/TV Globo
O então superintendente da Sudecap, José Lauro Nogueira Terror, o diretor de obras, Cláudio Marcos Neto, e o supervisor Mauro Lúcio Ribeiro da Silva também foram condenados, mas a pagamento de indenização e perda do direito de ocupar os cargos.
Entretanto, como a decisão era de primeira instância, ainda não há determinação judicial para cumprimento da pena. Cláudio Marcos Neto ficou na prefeitura até se aposentar, José Lauro Nogueira Terror atuou até 2017 e Mauro Lúcio Ribeiro da Silva ainda é servidor da PBH.
Em nota, a defesa de Mauro Lúcio argumentou que ficou demonstrado no processo que as funções exercidas por ele “se restringiam à fiscalização do contrato, de natureza estritamente administrativa, as quais não se confundiam com a fiscalização da obra” (leia a nota na íntegra abaixo).
O g1 também aguarda retorno das defesas de Cláudio Marcos Neto e de José Lauro Nogueira Terror.
“Eu queria ver essas pessoas pagando. Pelo que eu vejo, eu não vou conseguir ver. Eu não estou falando de dinheiro, de indenização, não. […] Eu queria ver os culpados pagando pelo que eles fizeram, mas eu acho que nós vivemos em um mundo em que o dinheiro é quem manda. Então, eu não vou ver isso acontecer”, desabafou Analina Soares dos Santos, mãe de Hanna Cristina dos Santos, motorista morta no acidente.
Hanna Cristina tinha 24 anos e morreu devido à queda do Viaduto Batalha dos Guararapes, em BH. — Foto: Tiago Carlos dos Santos/Arquivo pessoal
Estágio atual do processo
Depois das condenações, o Ministério Público entrou, em 2021, com recurso na Justiça, que foi recebido em 2022. Desde então, as partes estão apresentando contra-recursos, e a última movimentação do processo foi em fevereiro deste ano, ainda sem definições.
Na área cível, o MPMG também ajuizou uma ação pedindo ressarcimento de R$ 33 milhões aos cofres públicos, por prejuízos materiais, contra as duas construtoras e os réus — incluindo os herdeiros dos dois já falecidos. Esse processo ainda está em análise.
Analina Soares dos Santos e Ana Clara Santos da Conceição, mãe e filha de Hanna Cristina dos Santos, motorista morta na queda do viaduto. — Foto: Reprodução/TV Globo
O acidente
Por volta das 14h50 do dia 3 de julho de 2014, a alça sul do Viaduto Batalha dos Guararapes veio abaixo, na Avenida Dom Pedro I, na altura do bairro Planalto, Região da Pampulha, atingindo um micro-ônibus, um carro de passeio e dois caminhões não ocupados.
A motorista do coletivo, Hanna Cristina dos Santos, de 24 anos, e o do carro, Charlys do Nascimento, de 25, morreram na hora. Nos segundos antes de a estrutura desabar, Hanna conseguiu frear o veículo, salvando os 23 ocupantes do ônibus, incluindo a filha, na época com 5 anos de idade.
De acordo a Polícia Civil, a queda da alça sul ocorreu porque as construtoras desprezaram normas mínimas de segurança e se omitiram de impedir a tragédia. As investigações apontaram que o desabamento era previsível e iminente durante o processo de retirada das escoras da obra.
O laudo apontou que a causa da queda foi um erro no cálculo do bloco de fundação da alça sul do viaduto. O bloco deveria ter mais ferragens para suportar a pressão, apontou a polícia. Segundo a perícia, o projeto foi executado exatamente como planejado, sendo a queda consequência de erro estrutural do projeto elaborado pela Consol.
O viaduto Batalha dos Guararapes fazia parte do conjunto de obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo e integrava o complexo do BRT da capital, batizado de Move. A Avenida Pedro I era trajeto de delegações até o estádio Mineirão, como a argentina, por exemplo.
Viaduto foi implodido em setembro de 2014. — Foto: Reprodução GloboNews
O que dizem os envolvidos?
Prefeitura de Belo Horizonte
“A Prefeitura de Belo Horizonte informa que as ações, de danos morais e materiais, ainda estão tramitando na Justiça. Há um inquérito em andamento no Ministério Público sobre a possibilidade de ressarcimento de valores. Com relação aos funcionários da PBH, a ação penal movida pelo Ministério Público ainda não transitou em julgado e o Executivo não recebeu qualquer determinação judicial em relação aos referidos empregados públicos.”
Consol Ltda
“A CONSOL já prestou todos esclarecimentos à Justiça e à Prefeitura Municipal sobre o projeto do Viaduto Batalha do Guararapes. A empresa não participou do controle de qualidade de execução do viaduto e, por ser projetista, por evidente também não participou da sua construção.
Vale ressaltar que a CONSOL participou da Supervisão e do Controle de Qualidade no início da execução das obras de duplicação da Avenida Dom Pedro I. Durante o período em que participou, não ocorreu nenhum problema técnico nas obras dos viadutos, passarelas e trincheiras executadas. O contrato encerrou antes mesmo do início da edificação do viaduto Batalha dos Guararapes.”
Cowan S/A
“A Construtora Cowan S/A registra que nunca foi condenada em definitivo em nenhum dos processos que tramitam sobre o assunto da trágica queda do Viaduto Batalha dos Guararapes. E mais, a Construtora Cowan não tem medido e não medirá esforços para comprovar sua inocência neste evento, que ocorreu em razão exclusivamente de uma falha do projeto executivo elaborado pela CONSOL, contratado pela Prefeitura de Belo Horizonte, conforme já constatado em inúmeros laudos periciais e técnicos, incluindo o laudo técnico do instituto de Criminalística de Minas Gerais.”
Mauro Lúcio Ribeiro, servidor da Sudecap
“A defesa de Mauro Lúcio Ribeiro da Silva informa que restou suficientemente demonstrado, no curso da instrução processual, que as funções por ele exercidas durante a construção do Viaduto Batalha dos Guararapes se restringiam à fiscalização do contrato, de natureza estritamente administrativa, as quais não se confundiam com a fiscalização da obra. Por esta razão, não era possível que ele pudesse prever o resultado e, desta forma, agir para evitá-lo, pelo que aguarda, serenamente, que a sentença de 1º Grau seja revista e sua inocência reconhecida por ocasião do julgamento do recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.”