Nesta quinta-feira, dia 6, a Vale foi incluída no cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, conhecido como “lista suja”. A inclusão se deve a uma operação que, em fevereiro de 2015, flagrou 309 pessoas em condições semelhantes à escravidão na Mina do Pico, em Itabirito (MG).
Apesar de a empresa ter contestado os autos de infração na Justiça do Trabalho e pedido sua anulação, o Ministério do Trabalho e Emprego informou que a Vale perdeu a ação relativa à responsabilização por escravidão, resultando na sua inclusão no cadastro.
Os envolvidos eram motoristas que transportavam minério de ferro pela estrada particular da Vale, conectando duas minas no município. Apesar de serem empregados pela empresa subcontratada Ouro Verde, os auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais responsabilizaram a Vale.
A fiscalização constatou que os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa e ameaças.
Embora a portaria interministerial que estabelece a “lista suja” não exija bloqueios comerciais ou financeiros, ela é utilizada por empresas e bancos, tanto brasileiros quanto estrangeiros, para gestão de risco. Esse uso transformou a “lista suja” em um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.
Em 2010, o Conselho Monetário Nacional proibiu a concessão de crédito rural a quem está na “lista suja”. Instituições como Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Santander e BNDES afirmam que consultam essa lista antes de fechar negócios.
Em nota enviada ao UOL, a Vale contestou a inclusão na “lista suja” e afirmou que tomará as medidas necessárias para sua exclusão. “Foi proferida decisão judicial em maio de 2024 que reconhece indevida a lavratura de auto de infração em razão da fiscalização ocorrida em 2015, o que torna indevida sua inscrição no cadastro”, diz.
Na época, uma reportagem de Ana Aranha, da Repórter Brasil, destacou casos como o de um motorista que dirigiu por 23 horas com apenas 40 minutos de descanso, e outro que trabalhou do dia 14 de dezembro até 11 de janeiro sem folgas. Os banheiros eram impraticáveis, forçando os trabalhadores a fazer suas necessidades na estrada. Promessas de recompensas para quem trabalhasse mais e de forma mais intensa (colocando em risco suas vidas e a de outros) foram feitas e não cumpridas. Quando os trabalhadores começaram a reclamar, foram ameaçados, segundo a fiscalização.
“A Vale repudia toda, e qualquer, forma de desrespeito aos direitos humanos, e às condições indignas de trabalho, e reforça seu compromisso, alinhado com suas politicas, na manutenção de condições dignas para toda sua cadeia produtiva”, afirma a empresa.
Na época da operação, a Ouro Verde emitiu uma nota afirmando que as irregularidades constatadas na jornada dos trabalhadores eram “decorrentes de problemas sistêmicos no relógio ponto” e negou a existência de promessas enganosas e ameaças.
Criada em novembro de 2003, a “lista suja” é atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os nomes dos empregadores são incluídos após exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e permanecem na lista por dois anos.
Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou, por unanimidade (nove votos a zero), a constitucionalidade da “lista suja” ao analisar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).