Nessa terça-feira, dia 21, em um intervalo de poucas horas, dois sargentos da Polícia Militar (PMMG) tiraram a própria vida dentro de batalhões da corporação em cidades mineiras.
As mortes de um só dia já representam 12,5% do total registrado em 2022, quando 16 policiais militares se suicidaram no Estado. O número, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, representa um aumento de 50% na comparação com o ano anterior, quando foram registradas oito ocorrências do tipo.
Os suicídios ocorrem durante a mobilização das forças policiais de Minas Gerais por reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Fontes da categoria afirmam que o descumprimento das demandas contribui para problemas de saúde mental que vem crescendo entre militares, policiais civis e policiais penais.
O governo de Minas afirma que “acompanha de perto os dados sobre saúde mental e eventuais casos de suicídios nas respectivas tropas”. O Estado disse ainda que atua de forma preventiva para zelar pela qualidade de vida de todos os servidores estaduais.
Até 2023, Minas Gerais não divulgava dados sobre suicídios de policiais para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mas isso mudou em 2024. No entanto, o dado, repassado apenas pela PM, foi informado somente após a publicação do documento e, por isso, foi comunicado nessa quarta-feira, dia 22, ao jornal O Tempo pelo Fórum.
Em 2021, foram registrados oito suicídios de PMs em Minas. Com os 16 casos do ano seguinte, o estado se igualou a São Paulo, que conta com cerca de 80 mil policiais militares, um número mais de 120% maior que os cerca de 36 mil agentes que integram o efetivo da PMMG em 2024.
Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considerou positiva a decisão da polícia mineira de divulgar os dados, o que possibilitará a formulação de políticas públicas para lidar com o problema.
“É um tabu falar sobre o assunto, mas é necessário, especialmente na medida em que a gente vê que as organizações policiais estão apresentando cada vez mais casos de suicídio. Temos que lembrar que é uma profissão com tantas particularidades, como, por exemplo, o fato de ter a arma de fogo como instrumento de trabalho, sem falar do fato de lidarem diariamente com a violência. Isso tudo coloca o policial com um risco maior de suicídio do que o restante da população”.
Um policial militar da região metropolitana de Belo Horizonte, que preferiu manter o anonimato, desabafou com a reportagem do O Tempo, relatando situações que considera “uma afronta aos direitos humanos”. Ele afirma que a condição hierárquica na carreira de polícia é propícia a abusos facilmente encobertos.
“Nos últimos tempos, estamos sofrendo todo tipo de pressão, principalmente agora, por causa do pleito salarial. Então, os superiores se valem do regulamento para pisotear quem está em posições inferiores”, lamenta.
Praças x oficiais
O militar observa uma rixa entre os policiais praças e os oficiais, devido ao fato de que o segundo grupo pode dar ordens ao primeiro mesmo com menos de um ano de experiência.
“O oficial é formado para comandar. O soldado é formado para executar a missão. A remuneração, inicialmente, é o dobro para quem é oficial (em comparação com os praças), e essa diferença aumenta ainda mais no final da carreira”.
Para ele, a disparidade nas carreiras abre brecha para abusos. “Apesar de existir previsão legal para reclamar de superior, na prática, não funciona. Quem ousa questionar é mais perseguido ainda”.
O militar afirma que os problemas começam já durante o curso de formação, onde, segundo ele, ocorrem “todo o tipo de arbitrariedade”. Ele lamenta testemunhar tanto o próprio adoecimento quanto o de seus colegas. “Perseguições, assédio moral. Se você adoece, tem tratamento diferenciado, é segregado. Fui vítima de uma perseguição, e me ‘puniram’ com uma transferência de batalhão. Nos últimos tempos, tivemos um número considerável de baixas”
Centros de atenção biopsicossocial
Procurado pela reportagem do O Tempo, o governo de Minas respondeu por meio de nota que, entre as políticas executadas, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), através da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), “desenvolve ações de acolhimento biopsicossocial — abordagem multidisciplinar que considera as dimensões biológica, psicológica e social do indivíduo”.
“Os atendimentos aos servidores da Sejusp acontecem em todo o Estado, de forma remota ou presencial, em um dos Centros de Atenção Biopsicossocial”, afirma.
Até o momento, Minas Gerais possui três desses centros, localizados em Belo Horizonte, Montes Claros e Uberlândia. O primeiro foi inaugurado há três anos, em 2021, e mais três unidades estão previstas para serem abertas em Unaí, Juiz de Fora e Pouso Alegre a partir de 2025. No entanto, para Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse número ainda é considerado insuficiente.
“Essa ajuda precisa vir junto com outros tipos de atitudes, outros projetos das instituições. Não adianta você submeter esses profissionais a escalas extenuantes de trabalho, humilhações, perseguições e condições de trabalho que não são adequadas. Não adianta termos um policial que precisa de ajuda e que não é ouvido, que não é escutado por conta, muitas vezes, da questão da hierarquia militar, que dificulta esse diálogo”.
Especificamente em relação à Polícia Militar, o governo de Minas pontuou que a corporação realiza anualmente o Programa de Saúde Ocupacional do Policial Militar (PSOPM). Esse programa tem como objetivo promover e cuidar da saúde integral dos policiais militares da ativa, através de avaliações nas áreas médica, odontológica e psicológica.
“A Polícia Civil de Minas Gerais, por sua vez, disponibiliza o Centro de Psicologia do Hospital da Polícia Civil (HPC), que oferece atendimento psicológico clínico, por meio de sessões presenciais e também por teleconsulta, para servidores da ativa, aposentados e dependentes, da capital e do interior do Estado”, completou.
A unidade conta também com um plantão psicológico, sem agendamento, que pode ser feito através do WhatsApp, pelo número (31) 99807-9670. Mais informações sobre o serviço podem ser encontradas na rede social da Polícia Civil.