O governo de Jair Bolsonaro possui inúmeros percalços em seu caminho. Aprovar a Reforma da Previdência, haja vista que este gasto cresce acima da inflação, do PIB ou da receita do governo e comprime os gastos não obrigatórios, ou seja, investimentos, que são tão necessários para enfrentar a fraca atividade econômica.
Mas, não só: o desemprego está num patamar insatisfatório; há dúvidas quanto ao crescimento da economia mundial; a China está desacelerando. Bem, é melhor parar por aqui. Há mesmo inúmeros desafios que o presidente precisa enfrentar para entregar um Brasil melhor do que encontrou.
Contudo, há um forte quesito no qual Jair Bolsonaro se especializou rapidamente em seu governo – e não é em dialogar com o Congresso ou manter um diálogo forte com a sociedade brasileira. O forte deste governo é criar crises. Ele já postou vídeos sensacionalistas no Twitter; já brigou com jornalistas; incitou o ódio contra outra jornalista.
Mas, talvez, a crise mais perigosa confeccionada por Bolsonaro, é determinar que se faça “as devidas comemorações” sobre o golpe de março de 1964. Para o presidente, não foi ditadura o regime iniciado em 31 de março daquele ano. Ipsis litteis, segundo o dicionário, ditadura é “governo autoritário exercido por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, com supremacia do poder executivo, e em que se suprimem ou restringem os direitos individuais.”
Os direitos individuais, por sua vez, possui uma tremenda trajetória de lutas e conquistas em torno do mundo. A Declaração de Direitos de 1689 (Bill of Rights) foi uma carta aprovada pelo Parlamento da Inglaterra, que limitava o poder do rei, ampliando os ares democráticos. Com isso, o poder monárquico, ou seja, o centralismo de poder nas mãos da coroa, ficou submetido a um Parlamento, que por sua vez representaria a sociedade.
Não se pode deixar de citar a Revolução Francesa em 1789, que com a França mergulhada num caos político-econômico, a nobreza, acuada, viu a tomada da Bastilha como forte ápice da luta burguesa contra o absolutismo monárquico. Após a queda, foi declarada os Direitos do Homem e do Cidadão, que estabeleceria que todos seriam iguais perante a lei.
Há outros movimentos pelo mundo que marcaram a derrubada do totalitarismo, seja lá qual for sua face. E o que há de comum diante das revoluções que emergem a sociedade contra o governo? Sangue e mortes. O preço de se enfrentar o Estado totalitário, é pagar-se com a vida de pessoas inocentes, que não aguentam mais limitar-se a um projeto político que espreme, oprime e mata.
Se direitos individuais caracteriza-se por democracia, liberdade, respeito constitucional, direito de ir e vir, de participar ativamente da vida política da sua sociedade, do poder decisório, de se representar e ser representado, além do dever de respeitar a Constituição, amplamente discutida, aprovada e implantada, o que o Brasil observou a partir de 1964 foi sim uma ditadura.
Além do mais, se havia um governo instalado, e abruptamente teve violado seu direito de exercer o seu controle social via leis, é sim um golpe.
Discutir outro viés, é até permissível, apesar de imoral. A ditadura no Brasil fechou o Congresso, suprimiu partidos políticos, apontou presidentes sem o voto democrático e popular, amordaçou a imprensa, torturou e, além do mais, implantou reformas liberais – que quase sempre, em sociedades democráticas, enfrentam manifestações -, já que limitava e atacava as ações de sindicatos representativos dos trabalhadores.
Prendeu líderes políticos oposicionistas, matou líderes estudantis. Enfim, qual o direito individual foi observado e garantido na esteira do processo da ditadura brasileira?
Pasmem! O presidente Jair Bolsonaro, entusiasta do regime, se valeu das prerrogativas democráticas. Ele se valeu, por exemplo, do direito de ser oposição ao governo Dilma Rousseff; se valeu do seu direito individual de ser candidato à presidência da República; assistiu ser votado majoritariamente por pessoas que exerceram o seu direito de ir votar e decidir, portanto, os rumos políticos da sua sociedade. Ele foi eleito através do sufrágio universal, popularmente propagado como voto.
Eleições livres, observando os preceitos democráticos. Talvez passe – talvez não – pela cabeça do presidente, que é um contrassenso gozar dos seus direitos e apoiar um regime que justamente rompeu com tais preceitos.
O que se sabe, é que Bolsonaro não sai da zona de conforto. Toda vez que ele se sentir acuado, seja pelo o que for, ele tentará se apoiar em discursos de costumes conservadores, aonde ele ainda é popular. Deste jeito, confeccionando crises, as reformas, que são tão importantes para o país, subirão no telhado e de lá cairão em direção ao nada – que é exatamente para aonde este governo está nos levando.