Do Jornal O Tempo
Por causa de uma “trairagem”, de uma “tirada” no baile, de uma “mina” ou porque fulano do bando tal matou o primo de sicrano do grupo adversário. Tudo se torna motivo para matar em comunidades pobres habituadas a resolver conflitos de forma extremamente violenta.

Como são localidades envolvidas com o tráfico de drogas, quando vítima e/ou agressor atuam no comércio ilegal de entorpecentes, e há dificuldades de investigação por parte da polícia e falta de testemunhas, quase sempre os homicídios ficam na conta do tráfico. Mas, em ao menos metade das situações, ele não é a motivação real dos assassinatos, apenas alimenta o mundo do crime.

A retaliação (vingança) é a causa de cerca de 55% dos homicídios. Ao pesquisar os assassinatos ocorridos entre 2010 e 2014 nas comunidades do Alto Vera Cruz, Taquaril e Granja de Freitas, na região Leste da capital mineira, Rafael Rocha, doutor em sociologia do Centro de Estudos em Criminalidades e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou que pouco mais da metade dos inquéritos tinha histórico de briga, ofensa, agressão ou outra morte entre os atores envolvidos. Os demais casos eram latrocínios, mortes por engano, feminicídios ou não apresentavam relação clara entre vítima e autor.

Por causa de uma “trairagem”, de uma “tirada” no baile, de uma “mina” ou porque fulano do bando tal matou o primo de sicrano do grupo adversário. Tudo se torna motivo para matar em comunidades pobres habituadas a resolver conflitos de forma extremamente violenta.

Como são localidades envolvidas com o tráfico de drogas, quando vítima e/ou agressor atuam no comércio ilegal de entorpecentes, e há dificuldades de investigação por parte da polícia e falta de testemunhas, quase sempre os homicídios ficam na conta do tráfico. Mas, em ao menos metade das situações, ele não é a motivação real dos assassinatos, apenas alimenta o mundo do crime.

A retaliação (vingança) é a causa de cerca de 55% dos homicídios. Ao pesquisar os assassinatos ocorridos entre 2010 e 2014 nas comunidades do Alto Vera Cruz, Taquaril e Granja de Freitas, na região Leste da capital mineira, Rafael Rocha, doutor em sociologia do Centro de Estudos em Criminalidades e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou que pouco mais da metade dos inquéritos tinha histórico de briga, ofensa, agressão ou outra morte entre os atores envolvidos. Os demais casos eram latrocínios, mortes por engano, feminicídios ou não apresentavam relação clara entre vítima e autor.

Armas e cultura. “A pessoa está em um bar, ocorre uma briga, ela vai em casa, pega uma arma, volta e mata”, citou Rocha. A “responsabilidade” do tráfico de drogas nisso é justamente proporcionar maior disponibilidade de armas de fogo nesses territórios, “onde o acesso é mais fácil do que em bairros de classe média”, pontuou.
Além disso, o comércio ilegal nessas comunidades cria uma cultura de resolução violenta e privada dos conflitos. “O cara está devendo na boca. Eles vão lá e matam não pelo dinheiro, mas para mostrar que não podem ser ‘tirados’, porque senão ninguém vai levar a sério. Eles têm que mostrar que estão sempre dispostos a usar a força”, apontou o pesquisador.
Na semana passada, um rapaz foi assassinado no Alto Vera Cruz “por ouvirem dizer que ele fez alguma coisa”, conforme contou um líder comunitário do bairro identificado como Chocolate. “É conversinha de que um falou isso, outro falou aquilo. Por motivos banais. Aqui nunca houve uma guerra por disputa de pontos de tráfico”, afirmou ele, que usou a expressão “mulher mata muito aqui”, querendo dizer que homens se matam por causa delas.
Mais mortes. Entre os 128 indivíduos listados como agressores no montante de homicídios analisados no Alto Vera Cruz, 25 deles (19,5%) foram assassinados após o crime. Para os moradores dessas comunidades, a noção de justiça está relacionada ao fato de uns matarem os outros, e isso gera muitos homicídios. “Às vezes, o crime de retaliação ocorre no dia seguinte, mas muitos são algum tempo depois, o que significa que, se esses autores fossem julgados e punidos, haveria a ideia de que a Justiça estatal e não violenta existe”, concluiu o sociólogo.

 

“Traficante é um ser matável”

Entre os 158 homicídios ocorridos nas três comunidades pesquisadas, apenas 80 se tornaram processos. Deles, 78 ainda eram inquéritos policiais em aberto, e alguns não tinham nem suspeitos. Em junho passado, o jornal O TEMPO mostrou com exclusividade outra pesquisa do Crisp que aponta que quase metade dos processos de homicídios prescreve em Belo Horizonte. Levam tanto tempo para atingir a fase de julgamento que, quando chegam ao Tribunal do Júri, já estão prescritos – quatro a cada dez – ou o réu morreu, e não há qualquer sentença.
Em seu estudo, posterior a esses dados, Rafael Rocha queria entender a dinâmica desses homicídios, quem matou quem e como as mortes se justificam. Ele percebeu que a tendência era que o agressor se tornasse vítima em breve. Dezessete de 22 autores foram assassinados num período de seis anos. Nesse ambiente de retaliações, o pesquisador percebeu uma lógica sobre quem pode ser morto: “o traficante em periferia se torna um ser ‘matável’, e sua morte acontece devido ao tráfico de drogas. Ele é visto como ‘coautor’ de seu próprio extermínio, alguém que recebeu a punição esperada”.
Os discursos reivindicatórios por justiça – da mídia, do Estado e da comunidade – são diferentes de acordo com a vítima. “Em Belo Horizonte, as periferias não têm um comando, não têm crime organizado. São vários grupos, mas o crime desorganizado provoca uma implosão de homicídios nos aglomerados”, concluiu Rocha.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

error: O conteúdo está bloqueado. Entre em contato para solicitar o texto.